Desde que me lembro...


Guilherme G. Faga

      Desde que me lembro, falar da Transilvânia é o mesmo que falar de vampiros. Aqueles seres medonhos, chupadores do sangue e da alma, de quem todos têm medo. Nasci ouvindo as pessoas contarem histórias horripilantes sobre eles. Mas, principalmente depois daquele livro... o Dracala , não, não era Dracala, era Draculista, Dark Cula ou coisa parecida... enfim, depois de publicarem essa história, até mesmo os habitantes da Transilvânia ficaram com medo. Somente eu não acreditava nessa baboseira de Conde Vampiro.
      Sou um menino como outro qualquer deste Século 19; tenho 13 anos, olhos escuros e cabelos ruivos. Meu nome é Daniel, mas todos me chamam de Dany. Eu e Eric somos amigos desde os 6 anos.
      E, desde que me lembro, os meninos mais velhos, principalmente o Danti, sempre irritaram o Eric; chamavam-no de covarde, mariquinha, esses nomes para provocar e ofender os outros. Mas Eric nunca se defendia e, por isso, continuavam a irritá-lo.
      Certo Dia, eu e Eric escutamos os garotos sussurrarem sobre um castelo habitado por um velho que era vampiro. Cheguei perto e disse que não havia vampiro nenhum!
      Eles me encararam e provocaram, com ar de desafio:
      -- Então por que você não vai lá ver, senhor entrão? – Danti riu alto, junto com a turma dele.
      -- Sem problema! Vou, sem um pingo de medo – Afirmei, bem confiante.
      -- E você mariquinha, vai ser covarde e deixar seu amigo ir sozinho? – Josef, o garoto mais alto, perguntou sarcasticamente ao Eric.
      -- Pelo contrário, vou provar de uma vez por todas que tenho coragem – ele respondeu.
      Depois das aulas, combinamos o horário e o que levar: um cantil com água e um agasalho extra, caso tivéssemos frio.
No dia seguinte fomos até o castelo e tocamos a campainha. Um homem velho nos atendeu:
      -- O que vocês querem, meus bons rapazes?
      Na hora eu não sabia o que dizer, se contava uma mentira ou se perguntava, de primeira, se ele era um vampiro. Mas, como sempre,    Eric tinha a resposta:
      -- Viemos fazer uma entrevista para a nossa escola.
      -- Pois não, entrem!
      Ao entrarmos, deparamo-nos com três poltronas e uma lareira.
      -- Querem tomar alguma coisa, um leite, um suco...?
      -- Não, obrigado, temos nossos cantis com água – respondeu Eric.
      Mesmo assim, o velho chamou o mordomo: um homem mal encarado, vestindo um terno preto cheirando a mofo e usando uma gravata borboleta:
      -- Leite e biscoitos para os meninos – pediu o dono da casa.
      -- Pois não, senhor – respondeu o mordomo com cara de sonâmbulo, saindo para a cozinha.
      Desde que me lembro, em todas as situações de perigo, eu sempre preciso ir ao banheiro. Ali, naquela hora, também fui, como sempre. Não levei muito tempo mas, quando voltei à sala, Eric não estava mais lá.
      Corri até o velho e o cutuquei. Ele caiu ao chão! Estava duro como um boneco de cera.
      Dei um grito e quis sair pela porta principal; estava emperrada.
      – Se não consegue abrir, nunca deveria ter entrado – surgiu uma voz atrás de mim.
      Voltando a cabeça para trás, deparei-me com o mordomo, saindo das sombras da sala.
      -- O que você quer comigo? – gritei, com pavor.
      Ele me olhou e começou a andar em minha direção.
      Não sabia o que fazer: peguei meu cantil e joguei-o pela janela, que se quebrou; era uma possibilidade de fugir, mas eu sabia que não devia deixar Eric lá sozinho.
      Apesar disso, saí correndo pela janela quebrada e me afastei da casa, fingindo que ia embora. Depois de alguns minutos, voltei e forcei a porta dos fundos. Silenciosamente, girei a maçaneta e, quase gritando de susto, vi naquele quarto centenas de cabeças decapitadas e corpos sem braços e pernas, além de milhares de ossos de esqueletos humanos. E, num canto, vi Eric, com uma expressão apavorada:
      -- Eric, você está vivo!!! – gritei, com ânimo.
      -- Estou, mas logo o mordomo vai voltar! Aquele velho era só um boneco, uma isca que atraía as pessoas para serem devoradas pelo vampiro.
      Fiquei com mais medo ainda e andei com muito cuidado para não pisar em nenhuma cabeça decapitada. Segurei a mão de Eric, que estava mais fria que gelo; o coitado não tinha ideia do que eu ia fazer:
      -- Vamos embora! – eu disse, com medo de que o vampiro voltasse.
      Por má sorte, foi isso que aconteceu: ele entrou, e já ia acabar com a gente. Então, Eric colocou todo o medo de lado. Encontrou uma estaca de madeira e atacou o vampiro.
      Com meu agasalho, dei um nó em volta do pescoço do malvado e Eric golpeou-o várias vezes, até ele cair e estrebuchar. Peguei um dos ossos dos mortos, pedi perdão ao falecido e enfiamos no peito já frio.
      O terrível monstro pereceu nas trevas.
      Eric foi considerado o herói de nossa escola e Danti, Josef, e os outros meninos maiores tiveram de reconhecer – diante de todos os outros alunos – que Eric não era covarde, e sim um grande amigo, um garoto com uma coragem sem igual.
      E, desde que me lembro, essa ficou sendo a melhor história de terror da nossa cidade. Isso até que começaram a plantar uma nova fruta chamada rúbia, não... rúbica... rubínea, uma coisa assim.
      Mas essa já é outra história!




© Guilherme G. Faga



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